quarta-feira, 4 de maio de 2016

Desabafo do Dia: "O ESTADO A QUE EU CHEGUEI"

(Desde já começo por afirmar, que este BLOG não é contemplado pelo Acordo Ortográfico, com o qual não concordo... e como o BLOG é meu, escreve da forma que acho melhor).


 Há dias que realmente os pensamentos se perdem em eternos momentos de "visão de passarinho". Eu chamo "visão de passarinho", àqueles momentos em que saímos do nosso próprio corpo e observamos a nossa vida e a vida daqueles que nos rodeiam, ficando com uma visão de 3ª pessoa do "estado em que estamos" ou como o titulo indica "O estado a que EU cheguei".

- ALUNOS:
Olho os alunos e vejo a diferença dos alunos assustadiços, de olhos esbugalhados desejoso de aprender, que tive em tempos, aqueles que bastaria falar um pouco mais alto para ter reacções de medo ou de silêncio total e absoluto, durante um dia inteiro (claro que me estou a referir a  altura em que "um dia inteiro" significava 5 horas lectivas, durante 5 dias seguidos, coisa que já não se passa hoje em dia, em que "um dia inteiro" pode significar 4 horas letivas ou 6 horas lectivas, conforme as necessidades de satisfazer as Actividades de Enriquecimento Curricular). Hoje temos alunos que tão depressa conseguem ser os mais infantis com que alguma vez contactei, como podem demonstrar atitudes dignas de adultos desequilibrados, muito mal amados e frustrados. Crianças que não se preocupam se estragaram o carregador do telemóvel, alias, alunos que já tem o seu telemóvel próprio (smartphone para ser exacto), que já "o perderam diversas vezes, mas que o Pai compra outro"; alunos que já usufruem do seu tablet próprio que já "o avariaram algumas vezes, ou a jogar ou por cair, mas os pais mandaram arranjar ou compraram outro". Contudo quando chega a hora do lanche, a fome e o desespero para comer é igual a tantos outros que tinham de esperar até chegar à escola, para ter o direito de comer. Quando OUSO chamar-lhes a atenção, sou desarmado com uma resposta de "é normal" ou "é na boa" ou "não tem problema nenhum é mesmo assim". E quando não entramos no dialogo sobre o que "é normal", entramos na eterna palavra/desculpa "Esqueci-me"... mas um "Esqueci-me" tão normal e tão básico, tão sem arrependimento, que me sinto tremendamente parvo (pequenino), por me preocupar ou por me sentir com a consciência pesada, por ocasionalmente me esquecer de alguma coisa... AFINAL ISTO É O NORMAL!
 E enquanto escrevia sobre os ALUNOS, surgiu-me o tema das AECs., as tais actividades que foram inventadas para satisfazer as "necessidades" das crianças de terem mais Enriquecimento do seu curriculum.

- ACTIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO CURRICULAR: 
Estas são as "actividades", que raramente conseguem 100% dos docentes para as leccionar  logo no inicio do ano lectivo, obrigando as escolas a providenciar alternativas para "entreter" as crianças durante aquelas horas em que deveriam estar a ter AECs. Obviamente a alternativa foi que distribuir os alunos pelos docentes titular de turma... Aqueles que NÃO FALTAM, aqueles que CUMPREM, aqueles que são colocados DESDE INICIO DO ANO, aqueles que já terão a turma que lhes foi destacada, em suma, aquele que vão receber os alunos distribuídos por haver falta de Professores de AECs e assim vão prejudicar a turma da qual são responsáveis. Mas depois de tantos anos a permanecer neste erro, se conclui que, ISTO É O NORMAL!   

- OS PROFESSOR:
"Ai os Professores, os Professores!"
"Esses Imortais, esses Imortais!"
As verdadeiras vitimas desta sociedade. Aqueles que no tempo do ESTADO NOVO eram a única fonte de comunicação e de informação que chegava às aldeias e que, juntamente com o Padre e com o Alcaide, eram as autoridades daquelas localidades. Muitas vezes justamente acusados de abusos e outras vezes injustamente acusados de tudo e de nada. Entretanto acaba-se o ESTADO NOVO e começam as teorias da Educação do PÓS-25 de ABRIL... Até ao ponto a que chegámos, com os eternos avanços e recuos, por um lado tenta-se imitar países evoluídos mas depois não se acompanham estes testes e estas "evoluções" noutros departamentos da sociedade. Depois querem que resulte. Hoje, temos Professores a gladiam-se entre si, para demonstrar os seus galardões e as suas experiências ou sucessos passados, perante a constante comparação de resultados e a constante avaliação e escrutínio do qual somos vitimas, sobretudo quando se comparam turmas diferentes, alunos diferentes de contextos diferentes e os colocam sob a mesma bitola. E agora eu pergunto: "Acham que ISTO É NORMAL?" 

- O CANSAÇO:
Finalmente chegamos à última parte da minha observação. Como é óbvio, a vida não estaria completa se não nos incluíssemos na sua observação. Podemos ver os outros, podemos ver o que os outros vêem, mas temos de nos ver lá dentro e observar qual a nossa função e como nos comportamos. No meu caso, até tenho medo de pensar e de falar do que sinto todos os dias, a começar pela forma como estou a fazer este texto. Antigamente raramente precisava dos meus óculos de 0,25 dioptrias, fosse para o que fosse. Hoje em dia, esses óculos quase imprescindíveis para escrever em computador ou ver televisão e ocasionalmente substituídos por uns de 1,00 dioptrias para teclar este documento ou para escrever qualquer outro documento à mão. Mas não é só deste cansaço ocular que vou ter de falar, tenho de o acumular com o cansaço físico e mental, a decepção das opções que foram tomadas durante anos, que me trouxe ao ESTADO A QUE EU CHEGUEI. Dificilmente me vou reformar com a vitalidade com que o meu pai o fez, dificilmente vou ter cabeça para manter a evolução pessoal que ambicionei, dificilmente terei capacidade para continuar com este ritmo e com este nível de esforço, algo que estranhamente tem aumentado gradualmente conforme vou "progredindo" na vida. Já nem sei se "progredindo" será o melhor verbo a utilizar. Estou cansado, desgastado, frustrado, a precisar de férias constantemente, a auferir um ordenado cada vez menor, congelado numa carreira e numa perda de direitos adquiridos que já ronda os 600€ mensais, sem plano "B" nem plano de fuga, só a tolerância e a resiliência vão prevalecendo, até quando... enquanto conseguir.
Para todos os efeitos, quando falo com outros Professores respondem-me "ISSO É NORMAL, PORQUE EU ESTOU IGUAL!"

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